terça-feira, 15 de setembro de 2015

Escalando, viajando, viajando e escalando. Mas escrever...

  Depois de dois anos escrevendo pouco, ou quase nada, eis que surge aquela vontade de dividir algumas experiências e dicas de escaladas e viagens.
  Vou começar falando das trips mais recentes (nem tanto), não que eu vá lembrar de tudo por ordem, mas ainda sinto.

    Começava o primeiro dia de férias, 20 de dezembro de 2014, e neste mesmo dia as 10 e pouco estava levantando voo do Salgado Filho em POA com destino a Chaltén.
Antes da viagem, busquei o máximo de informações possíveis. Equipamentos necessários pra escalada em rocha e gelo, estratégia de escalada, roupas, camping, alimentação, água, previsão do tempo... Ah, a previsão do tempo, muito bem lembrado.
    Chaltén é um vilarejo que, quando lá, não dá vontade de voltar pra casa nunca. Uma avenida principal, San Martin, com tudo que você precisa na sua extensão, vinerias, cervejarias e loja de equipamentos de montanha. Ah, tem farmácia, padarias e mercados também que podem precisar por acaso.

El Chaltén abaixo, da esquerda pra direita: um pedacinho da Saint Exupery, Rafael Juarez, Poincenot, Silla, Chaltén, Val de Vois, Mermoz, Guillaumet, Cerro Castillo Negro e Elétrico.



   Muitas destas lojas tem wi fi, alguns gratuitos, só pedir a senha, outros precisam consumir algo para conseguir a senha, eu preferia estes que davam pra tomar uma gelada enquanto via a previsão do tempo (com celular) com a internet um pouco melhor pois havia menos usuários, mas como eu acompanhava a previsão duas vezes por dia o jeito era sentar nos banquinhos na frente dos estabelecimentos e "roubar" o sinal wifi. Há uma lan house na entrada da cidade, e o Rancho Grande tem sinal e computadores livres e uma torta de maça que não dá pra perder.  E como ver a previsão está aqui, http://www.pataclimb.com/knowledge/chaltenweather.html


Como estava falando, sai de POA umas 10 horas,   

POA x Buenos Aires x El Calafate final de tarde, umas 18:00 estava em El Chaltén. Pra chegar em El Chaltén (mais de 200km) vindo de Calafate tem algumas opções, van, bus ou taxi. De van que seria o melhor custo benefício eu teria que esperar 3 horas e pagar 350 pesos argentinos, de bus eu teria que ir até a cidade de El Calafate (o aeroporto fica a 20km da cidade) e da rodoviária ir até Chaltén por 280 pesos mas não sabia os horários. Mas encontrei um casal de Italianos que papo vai papo vem resolvemos pagar um taxi a 450 pesos cada um, e sair na hora pra Chaltén de boa, curtindo a estrada e fazendo as fotos.
   Chaltén conta com alguns camping, 3 grandes e alguns pequenos espalhados. Alguns hostéis, pousadas, até uns hoteis chiquesão que mal olhava com medo de cobrarem, e muitos Israelenses espalhados por tudo, rs. O camping do seu Domingos é onde concentra os brasucas e a galera da escalada mais roots.
 
   Ah, a previsão do tempo. Pseh, se o objetivo é caminhar não vão faltar opções quase que diariamente, dá pra caminhar até cair as pernas. Auto denominada como a Capital Argentina do trekking, Chaltén tem muitas opções e neste caso uns 20 dias pela cidade já é mais que suficiente. Agora se o objetivo é escalar, meu amigo, separe tempo pra isso ou conte com a suerte patagônica.
   Tinha apenas 29 dias pra ficar em Chatén dos 30 de férias que peguei, e só deu pra ter um gostinho da escalada. Peguei apenas uma ventana (tempo bom, sem vento e sem chuva ou neve) porém esta ventana veio depois de 2 semanas de tempo ruim. Ai entrou a estratégia, qual agulha atacar, que via entrar. Sabíamos que as mais clássicas como Guillaumet, Mermoz e outras estariam com fila nas vias mais factíveis.

  Fui pra Chaltén em solo, encontrei uma dupla de suécos que me distraíram por 2 dias com suas histórias doidas e suas iguarias das mais estranhas que já vi até encontrar o Alexandro Haiduque que foi o parceiro até o final da viagem. Nesta Ventana que entrou no dia 1º de janeiro resolvemos atacar a agulha Pollone Oeste, pela via A Fine Piece. Agulha esta com poucas repetições e consequentemente com poucas informações também, mas tínhamos visto uma matéria numa revista que se não me engano foi a primeira repetição, via linda, impressionante.
    Acordei dia 31 de dezembro as 5 horas conforme combinado. A previsão era melhorar o tempo a partir do meio dia que já vinha de alguns dias de chuva. Nesta hora que acordei o Haiduque balança a minha barraca, debaixo de chuva forte e diz. Poh cara, vamos mais tarde, muita chuva. Não deu nem nega, virei pro lado e fui dormir. Perto do meio dia começamos a jornada. Ir pro final da cidade colocar a mochila na perna, ainda na chuva, e esperar que uma alma caridosa dê uma carona até a ponte sobre o rio Eléctrico, cerca de 20km. Pegamos carona com a filha de um dos conquistadores de algumas vias na região de Chaltén, não recordo o nome da lenda.
Rio Eléctrico. Ao fundo Guillaumet, Mermoz e Fitz Roy
Caminha, caminha, caminha, cruza rios, vales, rodeia lagunas, pega trilha errada, se acha, entra no glaciar... e depois de umas 8 horas e uns 25km de pernada chegamos no destino e surpresa, tudo congelado, os últimos 100m da Pollone estava como o Cerro Torre, só gelo. Somente a Gran Gendarme estava sem gelo no cume, e não tínhamos levado o guia, parabéns pra nós.
Apesar de não rolar escalada valeu muito a pena, o lugar é incrível. Ficar de cara com uma muralha de quase 1km negativo, o Piergiorgio, foi incrível.
Glaciar Marconi e o imponente Piergiorgio ao fundo.


    A noite era de virada de ano, último dia de 2014 com aquele visual... mas pra não fugir do comum nas viradas de ano a terra tremeu, mas não por motivo de festas. Dormimos sobre o glaciar. Não tinha outra opção a não ser subir até a base da Pollone mas pra isso tinha que atravessar um glaciar que segundo os hermanos é curto pero picante, resolvemos não ver o que é um glaciar picante pra hermano. Subir pra não escalar não valia o risco. 

Piergiogio com a Pollone Oeste ao lado e os cumes congelados. 
A divisão entre o sol e a sombra é a linha da via A Fine Piece.
De tempos em tempos dava um estalo o tudo tremia, pedrinhas rolavam a menos de 5m da gente pra provar que não era pira nossa que tudo estava se mexendo. A noite toda rolou avalanches assustadoras, inclusive o caminho que analisamos para subir até a Pollone foi varrido por uma. Mas escolhemos um lugar muito protegido de avalanches, mas sobre o gelo do glaciar que se mexia.



Fitz Roy
    Ai vem aquele período de espera novamente na pequena Chaltén, e falando em El Chaltén; este era o nome da montanha hoje conhecida como Fitz Roy. El Chaltén quer dizer "montaña humeante" chamado pelos antigos povos aborígenas que viviam naquela região, os Tehuelches. Chamavam de montanha fumegante pois é comum ficar com núvens se formando ao redor do cume, somente lá. Acreditavam ser um vulcão. Fitz Roy foi o nome dado a montanha por Perito Moreno e a pouco ouve uma discussão pois os Argentinos querem que voltem a chamar de El Chaltén.

E a espera por uma nova ventana continuava, enquanto isso as possibilidades de diversão são muitas. Em dias de sol, que é bem comum, há muitas caminhadas para fazer e lugares incríveis pra conhecer. A menos de 10min de caminhada do centro de Chaltén tem uma parede com cerca de 200m com vias de 5º a 8a Francês, quatro ou cinco cordadas do ladinho do camping e com um visual incrível da cadeia de montanhas do Fitz e Torre. 
trilha para a Laguna Torre, Niponino, Cerro Solo... Cerro Torre ao fundo.













escalada a 10min. do centro de Chaltén.



   A quem vá para Chaltén apenas para fazer boulders, paraíso, pedras pra todo lado. 
E um detalhe importante, o dia acaba perto das 10:30 da noite, ou tarde, não sei. Então pra quem gosta de curtir aquela loucurada das noites Chaltenhas e acordar depois do meio dia tem tempo pra se acabar escalando ainda. 

    Não lembro ao certo o dia, mas início de janeiro chegou o Bruno Alves, parceiro de muitas indiadas. Chegou a mil por hora, querendo correr pra montanha, dia quente e sem vento na cidade e aquele turbilhão na montanha com as nuvens tenebrosas circulares rodeando o Fitz e a empolgação do homi era grande, "vamo vamo vamo, bóra pra montanha", era o que mais ouvia. E a previsão não era das melhores.
     Mas eis que surge um dia meio jururu na previsão, 3 nós de vento apenas, alguns milímetros de chuva e temperatura próxima ou abaixo de zero na montanha, mas chuva na cidade e apenas 1 dia. Não tinha o que fazer a não ser dar umas piquetas, que pra tal estava perfeito. 
Cerro Solo na visão de um spectron 4
Saímos de Chaltén debaixo de uma garoazinha a 01:30 da madrugada, a galera tomando vinho pra esquentar e nós colocando o anoraque pra não se molhar e pegando a trilha. As 3:30 estávamos atravessando o turbulento rio Fitz Roy, a saída da Laguna Torre, pela tiroleza que fica fixa lá. Depois de se achar e ver que estava perdido, logo depois de passar aqueles perrengues varando as "morenas", em meio as paredes rochosas numa canaleta sinistra eis que clareia o dia e vimos o caminho logo no início do glaciar na base do Cerro Solo, este era o objetivo, chegar bem cedo no glaciar pra pegar o gelo duro e passar "voando". 
Momento de transição entre a pedra e o início do glaciar. Laguna Torre ao fundo e o contraste do tempo bom na cidade (direita) e péssimo pra dentro do vale.
Cerca de meia hora subindo a rampa de neve começou a nevar, ainda bem por que a preocupação era se chovesse, mas tudo certo, frio e neve. 
Rampa de neve e as gretas a esquerda da foto.
      A rampa pra chegar a base de rocha do Solo, ponto onde começa realmente a escalada técnica em gelo, é cheio de gretas, tem que ficar bem ligado, tem umas que cabe todos que estão em Chaltém dentro. 
Greta tenebrosa
    Passando a maior greta de todas que tinha naquele momento a neve começou a cair forte, o tempo fechou, a neve da rampa virou gelo, a inclinação aumentou, a piqueta começou a vibrar em cada piquetada, o grampon fincava poucos centímetros e a inclinação aumentou, e aumentou, e o negócio foi ficando mais sério ainda. Segundo o Rodrigo León, um brother que logo depois passou um mês escalando comigo aqui em SC, o lance era costear o paredão de rocha pela esquerda, cerca de 2 cordadas de 50º e sair numa rampa de gelo (isso indo cedo, se não vira neve). Mas não rolou de costear a rocha, tinha uma placa fininha de gelo onde deveria já ser rocha. O Bruno foi pegando pra esquerda em direção a uma parede azul negativa de gelo, escalando numa rampa de cerca de 65º passamos por baixo numa travessia doida voltando pra direita e pegamos a tal rampa de 50º que pra minha surpresa tinha uns 150m pra cima ainda. Sem segurança com aquela visão de uns 300m de rampa, que não era bem rampa, e aquela greta gigantesca que já estava pequeniiinha sorrindo pra gente lá embaixo... Não sai da minha cabeça a sensação, de ter que se concentrar, focar e ir controlando o psicológico pra não fazer coisa errada e colocar os amigos de cordada em roubada, ou pior.
  A rampa começou a deitar, os dentes começaram voltar a aparecer e o cume já estava ali, pertinho. mais alguns passos e cume. 

Cume do Cerro Solo, Eu, Alessandro Haiduque e Bruno Alves








    Resolvemos voltar rapelando pela linha de escalada que tem na rocha, ou teríamos que desescalar a rampa de gelo. Fui o primeiro a negar voltar por ali. Uns 8 rapeis, e um cordelete abandonado e já estávamos em terra firme, ops neve firme. Chegamos em Chaltén as 23:00h, no num stop, paramos apenas pra colocar e tirar os grampons.

    Se passaram o restante da minha temporada e nada de melhora no tempo pra escalar em rocha na montanha. E pra "piorar", os últimos 2 dias meu em Chaltén foram ajudando o Bruno e o Alessandro a planejar a próxima escalada, pois uma ventana de 5 dias estava por vir. Minha última manhã em Chaltén, voltando pra casa, foi de céu azul e sem vento algum e os dois já estavam na montanha.
    Ficou o gostinho de quero mais. Você se apaixona e não para de pensar nas lindas e imponentes montanhas patagônicas de El Chaltén ou se traumatiza e não poê mais os pés lá. Não vejo a hora de voltar.

Abraço
Filipe





Um comentário:

  1. Boa Filipe! Quem escreve relembra e reaprende! Sucesso no blog. Abraço

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